Levantamento do G1 considera dados do IBGE sobre renda per capita.Com base nos números, cerca de 5% das favelas estaria na classe alta.
Gilvan
da Silva Medeiros, da Rocinha (RJ); e Valdeci Gasparino e Maria José
Marques, de Heliópolis (SP): famílias da nova classe média em favelas
brasileiras (Foto: Tássia Thum e Paulo Toledo Piza/G1)
Pelo menos metade das famílias que moram em favelas e ocupações no Brasil pertence à nova classe média, segundo levantamento do G1 com base em dados sobre renda do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números apontam ainda que quase 5% dessa fatia da população estaria na classe alta.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República
considera classe média famílias "com baixa probabilidade de passarem a
ser pobres no futuro próximo", com renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019 por mês. No total, estima-se que o Brasil tenha 104 milhões de pessoas na classe média,
o que representa 53% da população. Segundo os critérios da secretaria,
quem vive com mais de R$ 1.019 por mês pertence à classe alta.
Em 2010, de acordo com o IBGE, 11.425.644 de brasileiros (6% da
população) moravam em aproximadamente 3,2 milhões de domicílios nos
chamados aglomerados subnormais – favelas, invasões, grotas,
comunidades, baixadas ou vilas. Conforme estimativa traçada pelo G1,
em pelo menos metade dessas residências (1,6 milhão de domicílios) a
renda per capita (por pessoa) registrada enquadraria as famílias na
classe média.
Dados sobre renda per capita no Censo 2010 (atualizados para 2012 com
base na inflação) mostram que, em 51,2% dos domicílios em favelas e
ocupações, vivem famílias de classe média. Outros 4,57% das famílias
residentes nessas áreas estariam na classe alta.
Conforme os critérios da SAE, vivem na linha da pobreza as família
brasileiras que possuem renda per capita inferior a R$ 162. Na faixa
entre R$ 162 e R$ 291 está a classe intermediária entre pobres e classe
média, grupo chamado de vulnerável.
![]() |
Gilvan trabalha mais de 12 horas, seis dias por
Rio de Janeiro e São Paulosemana, na barbearia na entrada da Rocinha (Foto: Tássia Thum/G1) |
A Rocinha, maior favela do país, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, possui quase 23,4 mil domicílios. O levantamento mostra que cerca de 65% das famílias que moram na região pertenceriam à classe média. Outros 5,24% das moradias seriam de classe alta.
O G1 foi até o local falar com moradores sobre o
critério de renda adotado pelo governo e encontrou famílias típicas de
classe média, com carro novo na garagem, televisores de LCD com pacote
de TV a cabo, que viajam de avião e têm filhos universitários. Ainda
assim, muitos rejeitam ser enquadrados nessa faixa da população.
"Para mim, classe média alta é rico. Rico não mora em favela", afirmou o
barbeiro Gilvan da Silva Medeiros, de 51 anos, ao lado do carro zero
quilômetro recém-adquirido. "Rico não mora em favela, mora nos prédios
de luxo em frente à Rocinha, em São Conrado, Botafogo, em frente à praia
do Leblon. Acho que para ser rico assim é preciso ganhar no mínimo uns
R$ 20 mil por mês".
![]() |
Valdeci Gasparino é promotor de vendas e mora em Heliópolis, em São Paulo. Sua casa de 2 andares tem TV de LCD e netbook (Foto: Paulo Piza/G1) |
O promotor de vendas Valdeci Gasparino, de 41 anos, mora com conforto
em uma casa com dois andares, TV de LCD, carro zero. Mas precisa lutar
contra as dívidas que acumulou no cartão de crédito. Já sua vizinha, a
aposentada Maria José Marques, de 72 anos, paga as contas com
dificuldade e não tem luxos.
O promotor conta que passou a infância num barraco. "A luz era puxada
do poste, água era buscada num lugar com tambor. Nem tinha esgoto",
relata.
Anos depois, beneficiada por programas habitacionais, sua família
passou a viver numa casa que, após diversas reformas, tem 2 andares com 5
cômodos cada. Nela estão eletrodomésticos e eletrônicos como netbook,
TV de LCD de 42 polegadas e sistema de som. Na garagem, um carro zero
km.
Ao contrário do vizinho, a aposentada não tem plano de saúde e depende
do SUS para cuidar de um problema que tem no coração. O único luxo é um
computador, que é de um modelo mais antigo.
A renda da casa gira em cerca de R$ 2,4 mil, o suficiente para manter,
com dificuldade, a idosa, seu marido, dois filhos e dois netos. Em
termos per capita, seria de R$ 400, um pouco acima dos R$ 291 que
delimitam a classe média.
Já a filha de Gasparino está prestes a se formar em administração em
uma faculdade particular e o filho mais novo deve virar universitário no
ano que vem.
A melhoria de vida, no entanto, fez com que ele estourasse o limite de
três cartões de crédito. "Você começa com uma coisa pequenininha, vai
crescendo e acaba perdendo o controle, não tendo condições de pagar",
diz o morador.
Apesar da renda de sua família girar em torno de R$ 4 mil mensais, a
dívida parece estar longe de acabar, principalmente por conta dos juros.
"Não que a gente não queira pagar, é que as condições chegam num limite
que ou você come ou paga a conta."
Ainda assim, o promotor de vendas diz ver vantagens em manter, na
comunidade, um padrão de vida típico de bairros mais abastados.
"Acredito que é mais perigoso hoje em dia morar no Morumbi ou em bairros
mais nobres do que viver aqui. Bandidagem está em todos os lugares, mas
não vai mexer com quem está aqui dentro."
CARACTERÍSTICAS DA SEGUNDOO GOVERNO |
|
---|---|
Ensino fundamental incompleto e sem escolaridade |
|
Emprego formal ou alguma ocupação |
|
Casa própria e com mais cômodos |
|
Cuidado ao poupar dinheiro |
|
Chance de estar endividada |
|
Investe na educação dos filhos |
|
Trabalha altas jornadas |
|
Começa a ter acesso a plano de saúde |
Já a aposentada diz que seu sonho é ver a sala com piso de ladrilho e o
telhado mais firme. "O que mais quero é renovar minha casinha. Eu
penso: 'Será que vou morrer deixando minha casinha desse jeito?'"
Economista defende critérios
Diana Grosner, da Secretaria de Ações Estratégicas (SAE) da Presidência da República, fez parte da comissão que definiu o critério da nova classe média e diz que os dados divulgados até o momento são preliminares. "Vale dizer que essa classe média que nós definimos, tudo que divulgamos, são projeções, porque o ano ainda não acabou".
A economista rebate as críticas ao conceito aplicado pelo governo.
Segundo ela, o conceito é relativo e serve para que o estado brasileiro
atenda às necessidades dessa população.
"É uma classe média do Brasil. A classe alta não é rica em relação às
pessoas que estão abaixo. Mas nós achamos o mais adequado, que reflete
melhor a condição da família. O conceito per capita traduz melhor a
situação. O que nós estamos fazendo não é um exercício sociológico. É
para ter um recorte, para olhar a evolução", explica.
Paulo Toledo Piza e Tatiana Santiago, do G1 SP