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(Eriberto França) (Imagem da internet) |
Há um ano e meio desempregado, ele é desde 1992 o "motorista que
derrubou o presidente", mas faz questão de reafirmar logo de cara: "Eu
nunca fui motorista do presidente. Nunca dirigi para ele".
Eriberto, hoje com 47 anos, trabalhava como assessor de Ana Acioli,
secretária particular de Fernando Collor. Uma espécie de "faz-tudo".
Dirigia para ela e cuidava de tarefas financeiras ligadas ao
ex-presidente e sua família.
Pagava contas da Casa da Dinda, por exemplo. Tudo com dinheiro enviado
por Paulo César Farias (morto em 1996), tesoureiro da campanha
presidencial de Collor e acusado de liderar um esquema de corrupção no
Planalto.
Foi Eriberto quem comprou o famoso Fiat Elba, carro usado por Rosane
Collor que virou prova do esquema de PC Farias. "Eu comprei, né, com o
cheque", recorda.
Diz que cabia a ele, ainda, sair à caça de material para rituais de magia negra que ocorriam na Casa da Dinda.
"Quem comprava tudo para fazer aquela bagunça toda era eu. Comprava bode, galinha, o escambau, ia para cemitério buscar terra."
Eriberto recebeu a Folha na semana passada em seu apartamento, em
Brasília, alugado pelo sogro. Vive com a mulher, também desempregada, e
dois filhos, que interromperam cursos em faculdades.
Hoje, aparenta ser um homem um tanto amargurado. Não queria dar entrevista. "Sempre sobra para mim."
Ele argumenta que não teve reconhecimento público por parte da classe
política. Reclama que jamais foi homenageado pelo Congresso. "Era isso
que um dia eu esperava receber e nunca recebi. Foi ali [no Congresso] a
coisa toda."
Após sair do governo em 92, Eriberto trabalhou na revista "IstoÉ", para
qual deu a bombástica entrevista que acelerou o afastamento de Collor.
Depois, foi para o Ministério dos Transportes a convite do então
ministro Odacir Klein. Em 2003, foi demitido e, com a ajuda de petistas,
foi parar na EBC, na área técnica de televisão, de onde saiu em março
de 2011.
Ganhava R$ 1,9 mil. Desde então, conta com a ajuda do sogro, tenta fazer
alguns bicos e usa o dinheiro que sobrou da rescisão trabalhista.
Sua filha caçula tem os mesmos 20 anos que separam o dia de hoje de 29
de setembro de 1992, quando a Câmara aprovou o impeachment.
"Eu nunca tinha ouvido falar na palavra impeachment", diz ele hoje.
Conta, aliás, que naquela tarde de setembro se escondeu no sul da Bahia,
numa fazenda da irmã do então diretor da "IstoÉ" João Santana.
O mesmo que se tornaria anos depois um dos principais marqueteiros
políticos do país, tendo Lula e Dilma Rousseff na lista de clientes.
"Fiz de tudo para não ver [a sessão da Câmara]. [Lá] Tinha uma
televisão. Aí pensei: O que que eu fiz? Sempre tinha um cara do meu lado
para tranquilizar, o João Santana."
ARREPENDIMENTO?
Passadas duas décadas, Eriberto é categórico: não repetiria seu gesto.
"Se eu falar para você que me arrependo, estou mentindo. Se eu falar que
não, estou mentindo também. Porque se, na atual circunstância, você
perguntar: 'Eriberto, você faria tudo de novo?' Eu vou botar a mão na
cabeça e vou dizer: 'não faria'. Sabe por que? Porque não compensou.
Sofrer duas vezes, passar o que passei, o sufoco, e ainda não ter sido
reconhecido?".
Ele conta, em tom de revelação, que recebeu oferta financeira durante o
escândalo para não contar o que sabia. "Poderia ficar rico, porque
dinheiro foi oferecido e nunca quis. Foi oferecido para eu calar a boca.
A coisa estava feita", conta, sem dar mais detalhes.
A "coisa feita" citada foi a postura de revelar, em 1992, como atuou no
esquema de Paulo César Farias. "Era muita roubalheira, nunca transportei
tanto dinheiro", diz.
Um certo dia, Collor já senador, Eriberto França foi visitar um amigo no
Senado. Ao subir a escada que dá acesso ao tradicional Salão Azul,
conta que deu de cara com ele. Pela primeira vez após o escândalo, o
motorista encontrava o presidente que ajudou a derrubar.
"Foi uma casualidade. Ele estava descendo aquela escada, e eu subindo.
Não sei se me reconheceu", revela. Mal se olharam. "Não deu tempo. Foi
inusitado. Ele lá com aquele jeitão, imponente", diz, imitando Collor.
Eriberto nem imagina o diálogo que teria com Collor: "Seria muito
cinismo da minha parte dizer 'Oi presidente, tudo bem?'. Ele diria:
'Claro que não, depois de tudo o que você me fez'".
Eriberto diz que não contou tudo que sabia: "Não posso abrir, tem gente
que sabe o que sei. Aí eu deixo alguém com a pulga atrás da orelha. A
não ser que me matem como queima de arquivo".
E foge das comparações com Roberto Jefferson, que denunciou o mensalão
em 2005, e Pedro Collor, irmão do ex-presidente e o primeiro a revelar
detalhes do esquema PC Farias. "Meu motivo está dentro de uma lógica:
caramba, será possível que eu tenho que aceitar isso? Vamos dizer assim,
um termo meio chulo, é muita roubalheira, muita corrupção", diz.
Fernando Collor não quis dar entrevista à Folha sobre os 20 anos do
impeachment nem se manifestou sobre as declarações de Eriberto.
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