Sabida
· Extraído do livro CIÇO DE LUZIA, do autor.
Efigênio Moura ( contato@efigeniomoura.com.br)
Nesse dia Ciço veio almoçar em casa. Tinha que tirar um feixe de capim lá da vazante e como era perto de casa resolveu fazer a refeição em sua cozinha. Era um dia bem pertinho do sábado, dia em que Dona Judith e Zé Vando iam pra feira de Monteiro.
- Será qui Luzia vai?
Não havia motivo exato pra pensar nela, qualquer coisa o movia.
Enquanto usava a foice pra tirar o capim ouviu um barulho, um chiado vindo de dentro do capinzal.
- Quem pode mais qui Deus?
Silencio. O barulho voltou a ser forte e agora, mais próximo.
‘ Eita gota! Valei-me meu Padin Ciço, é um guará! ’
Dizendo e pulando pra trás, os olhos esbugalhados, a mão quase quebrando o cabo da foice, um medo da molesta...
Ficou paralisado. O barulho chegando perto. Ciço suando, Ciço rezando, Ciço querendo correr e as pernas não deixando...
- Apareça Satanás!
Ciço apelou e ouviu em resposta um latido.
- Oxi?
Outro latido.
Surgiu uma cadela prenha de pelo amarelado, de língua de fora e rabo balançando, ela sentou-se e encarou Ciço e latiu duas vezes. Ciço desarmou-se, fez aliviado o sinal da cruz.
- Oxe mulé, tu ta buxuda e no mêi do tempo uma zóra dessa.
Voltou para casa e percebeu que a cadela o acompanhava. Ele parava, ela parava. Caminhava, ela ia atrás.
- Vorte pra sua vidinha mulé, vá tê seus fiin nôto canto, vá.
A cadela desobedecia e o seguia.
Ciço então a adotou. Passou a lhe dar comida e guarita, virou companhia inseparável, virou amiga confidente...
“uma cachorra cuma tu só pode tê um nome: Sabida.”
Sabida deitava em baixo da rede de Ciço, mas dormia na porta da casa, qualquer movimento em falso, ela alardeava. A cadela passou a ser noticia em toda Macaxeira:
“- rapaizi, Ciço achô uma cachorra qui só farta cozinhá pr’ êle, pense numa bicha sabida!
- Ela pega inté lambu.
-Agora tá, lambu quaiqué cachorro péga!
- Avuando ?
- É só arremedá qui ela acoa na hora! Dá um bote e sarta e cai cum bicho na boca, se lascano todinha no chão, adispois sacode a puêra e sórta o lambu já difunto, nas precata de Ciço. ”
Sabida sabia de um monte de coisas de Ciço, sabia que ele tava alegre quando assoviava ‘ Farelim de Nada* ’ na porteira perto da casa dele. Sabia que tava preocupado quando ele andava devagar, sabia que ele tava zangado quando soltava com a força a porteira, sabia que Ciço tava triste quando ele não fazia barulho nenhum. Sabida, sabia o quanto Ciço era doidinho por Luzia.
- Eita Ciço e essa cachorra ?
- É sabida, Luzia, ta prenha...
- Ela é Sabida é? Pru quê ?
- Mais tá! Ela é sabida pruquê nasceu sabida e ela cunhece os bicho do mato tudin e tudin arrespeita ela...
Luzia acariciou a cabeça de Sabida. Sabida balançou o rabo.
Ciço ficou doidinho para ser a cachorra.
(* Farelim de Nada, letra e musica de Xico Bizerra